O filme Eu não choro (I never cry) estreia nos cinemas brasileiros em 20 de Janeiro de 2022, com distribuição da Arteplex Filmes.
A direção e roteiro contam com Piotr Domalewski, que além de diretor de cinema, também é ator e escritor de teatro. Teve sua estréia em longa-metragem com a premiada Noite Silenciosa (2017) que levou o Prêmio de Gdynia de Melhor Filme, e também o de Melhor Diretor e Melhor Roteiro.
Atuações de Zofia Stafiej, Kinga Preis, Arkadiusz Jakubik, Dawid Tulej, Cosmina Stratan, Nigel O’neil, Shane Casey, David Pearse, Donncha Crowley.
Confira mais detalhes desse longa agridoce!
Enredo
Tentar organizar o funeral de um dos pais é ruim o suficiente quando você é adolescente e tem alguns trocados no bolso. Mas imagine estar falido e o pai morto em outro país.
Esse é o dilema que a pobre garota enfrenta neste drama corajoso e direto.
Olka (Zofia Stafiej), que em seus 17 anos, vive uma vida de desafios junto da mãe (Kinga Preis) e do irmão deficiente (Dawid Tulej).
Como muitos europeus, e também pessoas de vários cantos do mundo, o pai deixou o país em busca de uma oportunidade de emprego, e consegue trabalho na construção civil na Irlanda. Ele e Olka mantém um relacionamento onde nenhum dos dois perguntam nada sobre suas vidas e por conta disso, ele mal entra em contato. Mesmo com esse combinado, o pai promete à filha que assim que ela passar no teste para tirar a carteira de motorista, irá lhe enviar dinheiro para comprar um carro.
A mãe de Olka recebe uma ligação cujo sinal fraco traz dificuldades de entendimento, além, é claro, da dificuldade em compreender o inglês, já que se trata de uma família polonesa. A barreira do idioma prejudica a interpretação do que se tenta informar com ponderação sobre a morte do pai, e quando a paciência acaba e o interlocutor se vê vencido por conta das tentativas, o uso da frase “Ele morreu” foi necessária para que houvesse o entendimento. Isso causa um choque na família, que permanece em silêncio digerindo a nova realidade.
Extremamente direto
É importante citar que a abordagem do diretor Piotr Domalewski sobre um tema tão delicado em retirar o processo de possível desespero da mãe, que agora se encontra perdida financeiramente, além de estar completamente só com a filha e o filho para criar, é demonstrado apenas em seu silêncio e a necessidade em trazer o corpo do marido de volta para a Polônia. Mas sem saber falar inglês, sobra para Olka resolver e viajar para cuidar de todas as burocracias, em meio a protestos já que ela vai perder aula e só tem 17 anos.
Nesse meio tempo, a protagonista pensa apenas na perda do que lhe foi prometido, o tal carro como recompensa para a prova prática de volante.
A raiva que nos é apresentada se dá totalmente a esse fato, e mostra a garota fumando e ingerindo álcool antes de embarcar para a viagem. A partir daí temos um foco diferenciado, já que é nítida a tendência em mostrar a frágil saúde mental da jovem.
A câmera foca muito mais agora nas expressões da adolescente de 17 anos, e em toda a trajetória dela entre hospitais, locais onde se encontrava emprego, casa funerária e porto onde o pai trabalhava.
Olka vai encontrando várias pessoas durante o caminho, após se dar conta de que mal conhecia seu pai, e a cada uma delas, pergunta sobre detalhes que qualquer familiar deveria saber sobre o próprio parente e muitas vezes ela não sabe como responder, sendo questionada várias vezes se o homem era realmente seu pai.
Em várias cenas é possível ver o quão corajosa a garota é, principalmente por se virar sozinha várias vezes e também por se colocar em locais onde o natural seria não ir, não acompanhar ou apenas deixar para lá.
Entramos em um ponto muito bem mostrado durante todo o filme, como o da exploração dos trabalhadores imigrantes, como também a explicação do relacionamento empregado-funcionário e ao final, o respeito que só foi garantido à força, por Olka.
Cada vez mais nos é mostrada a força de vontade em descobrir quem aquele homem era e o que ele deixou para trás, até que ela encontra os antigos companheiros de trabalho do pai, que tratam Olka com carinho e muita empatia ao encontrá-la.
Nesse meio tempo também descobre o paradeiro da mulher ao qual o pai carregava uma foto na carteira. A amante do pai, que estava grávida.
Chega a ser irônico a ideia de que aquela viagem, cujo objetivo era apenas para resolver burocracias por apenas ela falar inglês na família, serviu de certa maneira para passar mais tempo perto do pai.
A própria ideia inicial, a de ganhar o carro ao passar no teste, se torna pífia perto de tudo o que a garota descobre. Sara, a amante, é a única que consegue dizer sem dó de Olka, que “Ele fez o que pôde” ao ser questionada sobre a vida do pai.
O filme todo traz uma sensação de que a qualquer hora vamos chorar pela perda da adolescente e sua família, mas com o cinema polonês direto e cru, algo fica desconfortável e a espera para que ela tenha um surto a qualquer momento deixa uma certa ansiedade.
Uma história sobre o processo de luto individual, onde a novata Zofia Stafiej nos entrega um trabalho excelente, combinando o senso de rebeldia adolescente e as descobertas da luta na vida adulta, além do amadurecimento da personagem.
Roteiro
O roteiro foi inspirado em uma história de pessoas bem próximas ao diretor Piotr Domalewski, que também passou anos tentando ter contato com seu pai, que apenas estava vivendo para garantir as necessidades materiais da família, deixando as emoções para último plano.
Segundo o próprio diretor: “No íntimo, a história de Olka é também sobre todos nós. A experiência de solidão em um mundo acelerado, a consciência de oportunidades perdidas e laços familiares afetados faz parte da vida de muitas pessoas, independente de nacionalidade ou idade”.
Veredito
“Eu não choro” possui uma abordagem humanista ao captar a verdade por trás daqueles que mudam de país em busca de um emprego, escancarando a situação dos trabalhadores imigrantes e questionando a suposta homogeneidade da Europa contemporânea.
Não tenta embelezar a jornada da protagonista ao ir descobrindo que o pai era sim uma pessoa simples, mas muito além do que apenas aquele que enviava dinheiro para que sobrevivessem.
A direção de fotografia impecável, que deixa bem nítida a visão da cidade de Olka como sempre nublada, cinza e vazia para uma Irlanda tão igual, mas mudando apenas para o tom azulado e iluminado que aos poucos vai se abrindo, dependendo de onde a garota explorava e descobria.
Não existe uma frieza nesse longa, mas a tristeza retratada ao perder um familiar, mesmo que mal o conhecesse. Aqui vemos a jornada de uma garota que está descobrindo e tendo que lidar com problemas inesperados, mas também há o crescimento e amadurecimento.
A trilha sonora é discreta e passa despercebida, e talvez por conta disso, o lado mais emocional (suscetível ao choro) não vem à tona.
O final dá uma sensação de fechamento de um ciclo e é agradável acompanhar como a protagonista entende todo o significado.
*Cabine de imprensa virtual