[Entrevista] Bartosz Sztybor, gerente de narrativa da CD Projekt Red – É com muito prazer e entusiasmo que revelamos a nossa entrevista exclusiva com Bartosz Sztybor, escritor de histórias em quadrinhos, filmes e gerente de narrativa da CD Projekt Red. Nesta entrevista pelo Renan Alboy, Bartosz falou sobre suas inspirações e trabalhos recentes.
Além de uma vasta experiência na literatura de diferentes gêneros, Sztybor também é o roteirista e produtor da serie animada Cyberpunk: Edgerunners. A produção será lançada em 2022 na Netflix. Vem conferir tudo que foi falado!
1) Primeiramente, obrigado pela entrevista e gostaria de pedir para você se apresentar para nossos leitores.
Obrigado pelo convite e pela oportunidade.
Meu nome é Bartosz Sztybor, sou escritor de histórias em quadrinhos e de filmes, e gerente de narrativas na CD PROJEKT RED. Nasci e ainda moro na Polônia, onde comecei a escrever há quase 20 anos e onde publiquei dezenas de HQs, vários livros infantis e escrevi para algumas séries e curtas.
Alguns anos atrás comecei a expandir meu trabalho para mercados internacionais, publiquei minha primeiro HQs e graphic novels na França, Itália, Reino Unido, Portugal, Hungria e nos Estados Unidos, e mostrei meus filmes em festivais por todo o mundo.
2) No início de sua carreira, quais foram suas inspirações?
Desde criança eu sempre assisti muitos filmes, li muitos livros e HQs e joguei muitos jogos. A parte mais legal era que eu podia começar o dia com um filme do Jean-Claude Van Damme e terminá-lo com um filme do Lars Von Trier. Eu gostava muito de filmes com conceitos grandiosos e filmes B, mas também de histórias do dia a dia onde o principal eram os personagens, filmes experimentais. É por isso que eu gosto de misturar esses mundos nas coisas que eu escrevo. Foi minha principal inspiração quando comecei a escrever e isso ainda prevalece.
3) Na sua carreira você já trabalhou com diferentes gêneros narrativos. Dentre eles você tem preferido? E qual deles é mais desafiador para escrever?
Eu gosto muito de criar histórias de um gênero, gosto de brincar com esses mecanismos e convenções e amo misturar gêneros. Então eu sou um criador de gêneros, mas não tenho um favorito, eu só gosto deles em geral.
Isso não quer dizer que todos os gêneros são fáceis de escrever. Acho que o mais natural pra mim é o grotesco, misturando uma violência surpreendente com humor negro. Por isso sou um grande fã dos filmes dos irmãos Coen e do cinema coreano. Também sou um grande admirador de filmes de terror (especialmente dos indies), mas infelizmente não escrevi muitas coisas do gênero. O lançamento The Witcher: Witch’s Lament será minha primeira obra propriamente dita de terror!
Escrever sobre as emoções das pessoas é sempre desafiador e às vezes é emocionalmente exaustivos porque eu tenho que sentir tudo que meus personagens sentem para enter suas jornadas, objetivos e sonhos. Mas também vale a pena como tudo, porque é tão legal ver que suas criações não são apenas desenhos monótonos mas que elas estão se tornando seres vivos.
4) Em The Witcher: Fading Memories o enredo aborda as atitudes dos seres humanos com o diferente e nos faz perguntar “quem são os monstros”. Essa abordagem é recorrente e muito bem feita nas hqs da franquia. Porém, Fading Memories aprofunda nos questionamentos de pertencimento de mundo, como ocorre com Geralt, o Pescador e o Feiticeiro. Como foi abordar este lado psicológico dos personagens neste contexto da história?
A ideia principal dessa série era mostrar pessoas que de repente se veem perdendo a habilidade de fazer aquilo que são bons em fazer. O que aconteceria com as pessoas que se tornaram desnecessárias? Elas se tornariam monstros ou memórias esquecidas da sua juventude?
É um tema muito interessante para mim, já que vivemos em um mundo que muda tão rápido e não se importa muito com as pessoas que ficam para trás. O mundo sombrio de The Witcher e o personagem de Geralt são perfeitos para contar esse tipo de história. Geralt sempre foi um excluído, criado para apenas uma coisa – caçar monstros, monstros que um dia desapareçam.
Por isso todos os personagens em The Witcher: Fading Memories estão em momentos críticos de suas vidas e eu queria ver o que aconteceria com eles. Gosto quando meus personagens me surpreendem, é por isso que tento pensar como eles e me tornar eles por um momento, para ver onde eles irão me levar. Fading Memories tinha muitos finais diferentes enquanto a história estava em desenvolvimento, mas quando comecei a me tornar no bruxo, no mago ou no pescados, as histórias deles se fundiram na minha cabçea. Eles me mostraram onde a história deles terminaria. Tornar-me em meus personagens é a melhor forma de desenvolver seus lados psicológicos e criar histórias envolventes.
5) O que você acha de abordagens mais profundas em relação ao lado psicológico e político nos enredos?
Para mim, personagens com profundidade psicológica eram e ainda são os mais interessantes de ler e escrever sobre. Eu prefiro assistir e contar histórias sobre herois com defeitos, impulsos e uma bússola moral, porque as escolhas que eles fazem são muito mais empolgantes. O que é ótimo sobre a profundidade psicológica é que você consegue entender esse tipo de personagem, ter empatia por eles. Até mesmo as escolhas mais maléficas e violentas podem ser aceitas por você, porque você entende de onde elas vem. Graças a isso a história se torna mais ambígua e é isso que eu sempre procuro e tento fazer ao criar minhas histórias.
Quanto ao lado político, estou sempre tentando ser relevante mas nem sempre político. Não me importo apena com os problemas políticos, mas também com os problemas sociais, nacionais e morais do mundo atual, então eu gosto de comentar isso nas minhas histórias. Não gosto de dar lições de moral aos leitores, vendê-los a minha visão de ética. Prefiro criar situações similares às que temos no mundo hoje e então aprender o que pode acontecer com diferentes abordagens. Não gosto de dar respostas com as minhas HQs, prefiro fazer perguntas importantes que levarão a uma reflexão. Também gosto de aprender sobre mim mesmo com meus personagens e suas escolhas. Às vezes eles tem muito a dizer, ha ha!
6) Nos sabemos que as Hqs acabam se tornando materiais complementares de seus respectivos jogos, como em The Witcher e Cyberpunk. Como você enxerga esse tipo de complementação entre os materiais de mídias diferentes? Existe uma medida certa para deixar easter eggs que indiquem caminhos para quem jogou e não deixar os demais leitores perdidos?
Como você mesmo disse, a coisa mais importante é manter o equilíbrio entre trazer alegria aos fãs e criar algo que novos leitores possam se apaixonar. Quando escrevo as HQs de The Witcher ou Cyberpunk 2077, estou sempre procurando por elementos cruciais de cada mundo, mas também pensando em uma história universal que possa se passar naquele mundo.
Eu não fico pensando em quantos personagens, lugares ou outros easters eggs e devo colocar. Eu procuro o elementro central e então escrevo uma história independente que revolve esse elemento. Quando você lê os livros de The Witcher ou joga o jogo da CDPR, você sabe que Geralt está meio que fadado a caçar monstros. Sua luta contra os monstros é um elemento central, então pensei „e se tivessem menos e menos monstros para ele lutar?”. Uma história assim pode ser interessante para pessoas que conhecem a franquia de The Witcher e para aqueles que nunca ouviram falar dela.
7) Eu não sei se você sabe, mas Dofus fez um grande sucesso aqui no Brasil. Tendo isso em mente, nós gostaríamos de sabe se você tem interesse em escrever algum manga de DOFUS & WAKFU, até porque a lore é bem abrangente.
Ah, eu não sabia que Dofus era tão popular no Brasil, que legal! É, eu poderia escrever mangás de Dofus & Wakfu se tivesse a oportunidade. Mas como você disse, eu teria que poder colocar meu toque pessoal porque eu preciso desse tipo de liberdade para escrever boas histórias e eu tenho isso quando escrevo para The Witcher e Cyberpunk 2077.
8) Então, nós sabemos que você é o escritor e produtor da animação de Cyberpunk da Netflix que será lançado em 2022. Você poderia nos contar mais como esse projeto se iniciou e como você acbaou envolvido nele? Estamos ansiosos para saber mais de Cyberpunk: Edgerunnes.
O projeto foi iniciado por Rafał Jaki, diretor de desenvolvimento de negócios na CDPR, o cara por trás de muitos projetos legais aqui na CDPR. As ideias de criar HQs de The Witcher e CP77, jogos de tabuleiro e outras coisas vieram dele. Então um dia ele me ligou e me convitou para escrever um episodio teste para Cyberpunk: Edgerunners.
Eu estava extremamente empolgado, mas também estressado, para saber se eu conseguiria escrever um roteiro legal que se encaixaria com o mundo de Cyberpunk 2077 e o estilo de anime. Depois de meses trabalhando juntos, vimos que tínhamos uma visão parecida em muitos elementos, então Rafał decidiu me dar a posição de produtor e lidar com a maior parte dos elementos da história. Um trabalho dos sonhos!
9) Ainda sobre Cyberpunk: Edgerunners, tem algo que você já possa nos contar e como está sendo trabalhar com o Studio Trigger?
Vou tentar não falar muito, já que ainda estamos em produção e eu não quero dar spoilers. Trabalhar com o Studio Trigger é uma experiência nova e uma lição importante, mas eu acho que entrar em detalhes só será apropriado quando estivermos mais próximos do lançamento.
10) Aproveitando que estamos falando de Cyberpunk, o que os leitores podem esperar de “Cyberpuk 2077 – You have my Word”? Há mais títulos planejados para a IP da CD Projekt Red?
Cyberpunk 2077: You Have My Word é uma história noir envolvendo um grupo de cyberpunks, da gangue Valentinos, da corporação Militech e uma senhora idosa que trabalha em uma lanchonete e tem um grande segredo no seu passado. Penso no projeto como um suspenso sombrio focado nos personagens com uma vibe forte de ação.
Não quero estragar a surpresa, mas você encontrará um elenco forte de personagens excepcionais, várias escolhas muito difíceis que te deixarão a beira de detestar seu heroi favorito e muitas reviravolta que te farão ver tudo com uma perspectiva diferente.
E por último, mas não menos importante, será um história sobre confiança. Não apenas sobre em quem confiar no ano de 2077, mas também em quem confiar hoje em dia, no nosso mundo problemático e sociedade sofrida. Se a confiança ainda existe ou se está virando apenas uma ferramenta para chegar onde você quer?
11) Para finalizar, queria perguntar sobre a nova hq de The Witcher. Witch’s Lament, será lançada em breve. Pela sinopse ela parece ser bastante densa. O que você poderia nos contar sobre a nova aventura de Geralt? e o que poderíamos esperar dela?
Será meu tributo a um gênero que eu amo muito: terror. E com terror eu não quero dizer filmes de assassinos, como Halloween ou Pânico. Não falo de filmes de monstros como os clássicos Frankenstein ou Dracula. Digo os filmes de terror indie como O Bebê de Rosemary, Suspira, Hereditário ou A Bruxa, que usam o gênero para contar uma história sobre problemas morais e sociológicos.
The Witcher, seus personagens e o próprio mundo tem um grande potencial para contar uma história sombria, assustadora e inteligente sobre medos profundos e problemas da nossa sociedade. Então decidi levar Geralt em uma jornada a um novo gênero: terror indie.
The Witcher: Witch’s Lament será algo novo – sombrio, denso, assustador com Geralt indo cada vez mais a fundo na loucura. Então prepare-se para ver bruxas queimando, cultos estranhos, pesadelos assustadores e novas histórias sobre vingança e culpa. Todas as coisas coisas fica horríveis quando desenhadas pela incrível Vanesa R. Del Rey e coloridas pelo maestral Jordie Bellaire. Espero que você tenha pesadelos depois de ler, ha ha”
A HQ The Witcher – Fading Memories já disponível no formato digital no Brasil. Os títulos Cyberpunk 2077 – You have My Word, The Witcher: Witch’s Lament também estarão disponíveis no mesmo formato.
Gostaríamos de novamente agradecer ao Bartosz Sztybor por ter aceitado o convite da entrevista! Para mais entrevistas exclusivas, não deixem de acompanhar O Megascópio.