O episódio 67 da temporada final de Attack on Titan foi, sem sombra de dúvidas, um dos mais emocionantes até o momento na saga. Apesar de não ser o melhor animado, ou com a melhor ação ou até mesmo com as maiores revelações, trouxe uma das mortes mais enfuriantes: uma personagem querida caindo pelas mãos de uma criança, Gabi Braun.
Atenção: este artigo trará spoilers do anime – leia por sua conta e risco. Não haverão spoilers do mangá. Confira nossa crítica do episódio 67 aqui.
O recomeço do ciclo do ódio
Depois de anos acompanhando os personagens na ilha Paradis, chegamos a Marley, e vimos o foco principalmente em três personagens: Falco Grice, Gabi Braun e Reiner Braun. E mais importante, vimos suas rotinas, seus amigos, suas vidas… e vimos quando tudo isso foi destruído pelo ataque de Eren, criando um paralelo ao ataque sofrido na muralha em Shiganshina há cinco anos atrás.
Entretanto para nós, os espectadores, o ataque a Liberio não pareceu tão grave quanto ao de Shiganshina. Afinal, foi uma retaliação. Ninguém dentro das muralhas sequer sabia da existência de Marley, enquanto os grandes líderes do exército estavam presentes em Liberio. Além do detalhe de que Eren só ataca depois de ouvir um estrondoso louvor à declaração de guerra aos demônios da ilha.
Então, ao invés de sentir horror e pena pelas mortes, vibramos quando a ação crescente chegou ao seu ápice, choramos de emoção com a chegada da Divisão de Reconhecimento e clamamos morte ao Titã Bestial (não foi dessa vez, amigos!). Mas ao mesmo tempo, foi impossível não sentir pena pela morte de Zophia e Udo, pelos companheiros de Pieck ou pelo trauma de Reiner, Gabi e Falco. Mas então, tudo mudou quando Gabi continuou com o ciclo de ódio ao matar uma personagem favorita dos fãs, Sasha Braus.
Os paralelos entre Eren Yeager e Gabi Braun
Desde a introdução de Gabi, conseguimos observar alguns paralelos com o jovem Eren. Uma personalidade impulsiva e explosiva, o grande desejo de ajudar o seu povo e até mesmo um amigo que faria tudo por ela.
Entretanto, para mim, há um ponto que diferencia muito os dois. Gabi Braun foi submetida a uma lavagem cerebral que a torna muito menos identificável pro espectador. E essa diferença é crucial para o motivo de não conseguirmos perdoá-la, enquanto conseguimos perdoar o Eren (por enquanto, leitores do Mangá mantenham a boca fechada!).
Enquanto o jovem Eren gritava “morte aos titãs”, ele se referia a monstros literais, criaturas gigantes que matavam seu povo sem discriminação. E depois da grande revelação do porão, vemos que o ódio contra aos titãs foi aplacado, por saberem a verdade por trás das criaturas. Já quando a jovem Gabi grita “morte aos demônios de Paradis”, ela se refere a pessoas iguais a ela, com sonhos, entes queridos e tudo mais. E quando Falco aponta que eles são iguais, seus ouvidos se fecham, pois seus sentidos foram cegados pelo ódio.
Enquanto o ódio que Eren desenvolveu por Marley o tornou frio e calculista, o ódio de Gabi a torna impetuosa. E esse detalhe, para mim, faz uma diferença importante. Acredito que Hajime Isayama esteja criando não um novo Eren, mas sim um novo Reiner.
Reiner 2.0
Ah, “Raina“. Se alguém dissesse para você, lá na segunda temporada, que você estaria se importando tanto com o Titã Blindado que causou a morte de tantas pessoas, você provavelmente riria. E ainda assim, aqui estamos. Reiner sofreu exatamente a mesma lavagem cerebral que Gabi, tendo o mesmo ódio pelos demônios da ilha. Ambos foram criados para dar continuidade ao ciclo de ódio – não é coincidência que Marley usa crianças como seus “guerreiros”, já que elas são mais fáceis de manipular.
Entretanto, Gabi ainda não foi tão longe quanto Reiner. E assim como ele, ela ainda tem a chance de ver as raízes de seus preconceitos e enxergar que os “demônios” são pessoas normais, como ela e seus amigos.
É claro que eu, assim como todo mundo, senti muito a morte da Sasha e ainda estou devastada (aquela trilha sonora, mano!). Como um ser humano com emoções, ainda olho para a cara da Gabi e tenho vontade de dar uma bicuda. Acho a morte de Sasha uma das mais tristes, pois ela poderia ter sido facilmente evitada.
E é aqui que entra uma ironia, a epifania que tive e me levou a escrever um textão sobre uma personagem de anime. Nosso ódio pela Gabi nos torna parecido com ela. Estamos (usando o coletivo pra descrever a reação geral dos fãs) desejando a morte de uma criança de 12 anos porque ela matou alguém que nos era querido, sendo que ela fez justamente isso. Ela matou porque foi cercada por morte, por ódio, por sentimentos irracionais.
Sou obrigada a ter empatia?
Tudo isso pra dizer que eu continuo não gostando da Gabi. Não tenho paciência para a hipocrisia que ela demonstra ao comemorar a morte de centenas de pessoas durante a guerra que Marley causou e depois julgar Paradis por fazer o mesmo “sem motivo”. O que os cidadãos do Oriente Médio fizeram para merecer um ataque de Marley?
Me irrita que ela se recuse a ouvir o Falco, que representa a voz da razão no seu núcleo, a voz que está tentando quebrar o ciclo de ódio. Os discursos dela são reminiscentes de falas racistas, homofóbicas, transfóbicas e antissemitas (entre outras) que vemos no nosso cotidiano. “Eles são diferentes de nós, portanto merecem morrer“.
Mas Gabi Braun mostra que precisamos ter esperança de uma mudança. Precisamos crer que é possível quebrar esse ciclo, que é possível remover a lavagem cerebral de crianças que foram criadas por adultos preconceituosos. E no universo Attack on Titan, vê-se a mensagem de Hajime Isayama: tem de haver uma forma de impedir que mais Shiganshinas e Liberios criem mais Erens, Reiners e Gabis.
Os episódios dessa nova temporada são lançados todos os domingos às 17h45 no site da Crunchyroll.