[Entrevista] DiversiGames investe na grupos minorizados para a inclusão digital –Durante a Gamescom Latam, que ocorreu entre os dias 26 e 30 de junho, pudemos conferir diversos jogos independentes e muitas atrações presentes no evento. entres os palestrantes conversamos com Mariana Uchôa da DiversiGames.
A DiversiGames é um hub dedicado a prover maior integração de grupos minorizados em ambientes tecnológicos. Assim, atuando não só na indústria de jogos, mas também no viés educacional e inclusivo. Confira nossa conversa com Mariana Uchôa:
1)Bom, primeiramente, Mariana, muito obrigado pela entrevista, ainda mais por ser um tópico extremamente interessante e que eu não tenho dúvida nenhuma que precisa ser muito abordado, que é a inclusão de grupos minoritários no mercado tecnológico e games. E dentro desse cenário, a DiversiGames vem abraçando essa proposta. Quando foi que surgiu essa ideia? E em que momento você sentiu que era possível realizá-la?
Essa ideia começou a surgir em 2017. Eu já trabalho com projetos de impacto social há muitos anos, há mais de 15 anos. Sempre projetos ligados à cultura, à saúde, à educação. Em 2017 eu conheci o Ricardo Chandelic, que é um empresário do segmento musical e hoje é meu sócio. Ele estava na indústria da economia criativa na perspectiva da música e estava estudando games como negócio, como possibilidades de mercado.
Dessa união a gente montou e começou a construir um primeiro projeto social nosso em que a gente lançou em 2019 que tinha como foco um recorte de raça, então a gente estava olhando para a inclusão de pessoas negras dentro do segmento gamer e principalmente moradores de favela. Era esse recorte social. O dia a dia do projeto foi nos mostrando a necessidade de olhar para outros grupos socialmente minorizados, porque a gente começou olhando para isso, mas se viu com um desafio de inclusão de mulheres, por exemplo.
Lá no início a gente já abriu uma ação afirmativa, que eram cotas para inscrição de meninas dentro do projeto, e a gente não conseguia atender. Por mais que a gente tivesse essa ação, as meninas não apareciam, a gente ficava, caramba, o que está acontecendo? O que tem aí nessa indústria que as meninas não estão se sentindo confortáveis? Então a gente foi mudando, na verdade, foi ampliando esse leque até que mudássemos oficialmente, inclusive no nome do projeto e a DiversiGames.
Assim, olhando para a diversidade dentro do segmento de mulheres, pessoas da comunidade LGBTQIAP+, pessoas com deficiência, pessoas negras. Então eu acho que foi o próprio dia a dia do projeto que foi nos mostrando, por mais que ele tivesse começado olhando para pessoas em situação de vulnerabilidade social, moradores de favela que existia uma série de outros grupos minorizados que estavam invisibilizados dentro desse segmento digital, tecnológico e da indústria dos games.
2)Quando o DiversiGames começou a buscar esse público, houve alguma barreira? Como foi se vincular a essas pessoas e mostrar pra elas que elas podem ser incluídas?
Para recorte de raça foi mais simples. E eu vou te explicar por quê. Porque a gente tá em geral em regiões periféricas do estado do Rio de Janeiro, próximos à favela e tudo mais. E no nosso país as pessoas em situação de vulnerabilidade social, infelizmente, em sua maioria são pessoas negras. O recorte racial é o primeiro quando a gente fala de questões de classe social no nosso país. Então essas pessoas, naturalmente, são as pessoas que mais chegam ao nosso projeto por uma questão geográfica de onde estamos. Mas realmente, como eu falei, temos cotas para meninas e já aconteceu, por exemplo, de em uma de nossas divulgações chegar um pai chegar um pai e dizer:”Tá, mas o que vocês tem para menina aqui?”. E a resposta é que temos para meninas a mesma coisa que a gente tem para meninos.
Então realmente são muitas as barreiras, porque a gente tá falando de quebrar paradigmas não só na indústria dos games, né? É uma forma com que a nossa sociedade pensa como espaço para mulheres, como espaço para pessoas com deficiência. Inclusive, temos feito um trabalho de adaptação dos nossos materiais, contando com a parceria da Able Gamers, que é uma ONG que trabalha com a adaptação de consoles, de teclado para pessoas com deficiência. Também investimos na contratação de monitoras, que são mediadoras, para a conseguirmos adaptar a nossa metodologia para pessoas com deficiência cognitiva, por exemplo.
De forma geral, temos feito uma série de ações para tentar trazer esse público e para que eles não se sintam só e para que eles não só cheguem, mas se sintam seguros e confiantes dentro do nosso espaço.
3)A partir do momento que a pessoa já está inserida e vê que ela tem esse potencial, que é uma coisa que pode se tornar acessível para ela, qual a mudança que vocês percebem no pensamento da pessoa que pode ter aquele poder de contar uma história no desenvolvimento de jogos, de se sentir incluída em um momento em que a tecnologia está praticamente em todo lugar e vira uma coisa fundamental para a vida? Como é a mudança nessas pessoas?
A mudança vai de coisas muito pequenas que têm a ver com o pertencimento, com o sentir que eu faço parte desse universo. E aí a gente tem falas muito potentes, muito simples, mas muito potentes como “nossa, que honra sentar numa cadeira como essa” de uma criança que senta numa cadeira gamer, de uma pessoa feliz porque agora ela tem um e-mail. Então vai dessas coisas que são muito pequenas.
É o que a gente fala, é um trabalho realmente de letramento digital através dos games e através da tecnologia, até experiências muito maiores, né? Até uma jovem que está fazendo o estágio numa empresa, porque teve essa oportunidade de fazer aula de desenvolvimento de jogos, de começar a programar ou de um outro jovem que está programando, fazendo um trabalho de programação para uma empresa fora do país usando o inglês que ele aprendeu no projeto.
Então são muitas as histórias que eu sempre falo. Hoje a gente atende no Rio de Janeiro 200 pessoas. Não teremos 200 pro-players ou programadores. Mas a gente tem 200 pessoas que vão pro mundo e pro mundo do trabalho diferente, com as suas vidas transformadas nas mais pequenas histórias, desde pertencimento e inclusão digital até transformação e geração de trabalho real.
4)A DiversiGames, como você falou, teve seu início no Rio de Janeiro e, logicamente, todo estado, quando muda sua localidade, o problema consequentemente também muda e a abordagem muitas vezes precisa ser outra. Vocês têm planos de expansão, ou no caso de uma expansão, como vocês pensam nessa mudança de abordagem para conseguir agregar os diferentes cenários que existem pelo Brasil?
A gente está realmente trabalhando numa expansão nacional. A nossa primeira meta é chegar a São Paulo. Queremos chegar a São Paulo, óbvio, por um objetivo comercial. As empresas estão aqui, os negócios estão aqui. Então, a indústria dos games está mais forte aqui e para nós é muito importante ter um polo aqui, para que possamos fazer inclusive essa expansão para outros territórios, fora do eixo Rio-São Paulo.
Por sermos um projeto de impacto social, é importante que estejamos em São Paulo olhando para as questões emergentes e sociais desse território. Então, a gente olhou para e falou assim: “onde é importante a gente intervir aqui?”. Em São Paulo, apresenta uma característica diferente do que temos no Rio. No Rio, a gente está nas periferias, nas favelas e aqui estaremos no centro de São Paulo, próximo à Praça da Sé, e o nosso objetivo é trabalhar com jovens em situação de rua, pessoas que fazem uso abusivo de drogas e jovens das ocupações de São Paulo.
Isso porque na cidade há muitos prédios que foram abandonados ao longo dos últimos anos, que hoje são ocupados por pessoas em situação de vulnerabilidade. Entendendo que esse é um enfrentamento social que a cidade de São Paulo tem demandado e é esse desafio que a gente está se dando aqui para depois partir para outras regiões.
5)Como você vê a aceitação do projeto e os parceiros aderindo à causa? Como está a cabeça das pessoas hoje para apoiar mais ações sociais que buscam incluir as pessoas?
Olha, a gente vê o mercado mudando muito, sabe? E de forma veloz. Eu falo que quando a gente começou a ver essa ideia, captar para o mercado, 17, 18, para abrir em 2019, parecia muito mais tempo. Então o mercado mudou muito, eu acho que o mercado já está tirando esse estigma de que o gamer é essa pessoa branca, gordinha, que está sentada na frente de um computador, que não socializa e que está comendo seu salgadinho. Acho que a gente já conseguiu quebrar essa barreira.
Acho que o Free Fire contribuiu para isso, outros jogos mainstream também. E felizmente, eu acho que hoje a gente tem com a gente, com a DiversiGames, marcas como a Ene, o AEG, a TikTok, que tem realmente percebido a necessidade de olhar para essa indústria de forma mais ampla, de entender que os games estão em todas as classes sociais, que estão em todos os grupos e que a gente está falando de consumo, a gente está falando de inclusão, a gente está falando de impacto social. Então, eu tenho percebido as marcas muito mais investidas nessa mudança do cenário, porque eu acho que quando a gente está falando de incluir grupos minorizados, óbvio, a gente está falando de um grupo que está dentro dos games, mas é uma necessidade urgente para a sociedade como um todo. E eu tenho percebido as marcas mais atentas a essas questões