O Sorriso da Hiena é um livro de thriller psicológico do autor Gustavo Ávila. Inicialmente publicado de forma independente, saiu em 2017 pela editora Verus, do Grupo Editorial Record, está disponível na versão física e digital e teve seus direitos comprados pela TV Globo.
Um assassino está ativo, matando pais de crianças de oito anos na frente delas: o pai é chamado de linguarudo e tem sua língua cortada, a mãe leva um tiro na cabeça e a criança fica presa até ser encontrada em frente à poça de sangue dos pais. Esse modus operandi é reproduzido baseado em uma cena vivenciada pelo assassino David (isso parece spoiler, mas não é. O assassino é nomeado logo no início da história). O detetive Artur, considerado o melhor da região, é incumbido dos casos, ele direciona as crianças para o psicólogo William, que em seu doutorado, Como se tornam adultos, estudou a teoria de como o estresse pós-traumático influencia no amadurecimento das crianças e questiona se atos cruéis vivenciados por elas as tornam más.
Personagens cinzas e tridimensionais
Acompanhamos o desenrolar dos fatos a partir do ponto de vista de três personagens: o detetive, o psicólogo e o assassino. De início, parece descuido a forma como a narrativa vai caminhando e pulamos de um ponto de vista para o outro, porém vai se interligando e se torna extremamente necessário para o propósito do livro e para a narrativa em si. Como mencionado, sabemos quem é o assassino desde o começo, o que acompanhamos é o ponto de vista de cada um dos três pontos principais.
Os personagens principais são cinzas e tridimensionais. A leitura analítica se torna indispensável, pois eles não se apresentam para serem defendidos e não esperam torcidas, mas sim mostram os seus motivos intrínsecos por traz das decisões, mesmo que chocantes, e as suas particularidades.
No cotidiano, conhecemos outros personagens que contracenam com os protagonistas e isso mostra como essa tríade principal se esforça para transparecer seus ideias e esconder mentiras frente às outras pessoas. Artur tem síndrome de Asperger (lembra constantemente o Sheldon de The Big Bang Theory), tornando a sua interação social peculiar; William leva uma vida extremamente comum, é inquieto sobre o futuro e questiona o papel que os indivíduos possuem na sociedade e se considera uma pessoa boa; David é envolto em mistério, incertezas e raiva, difícil de definir, mas compreensível, visto sua realidade.
Brasileiro e Universal
A narrativa é inteligente, dinâmica, mas proporciona respiros em momentos oportunos, com os seus saltos de cenários e pontos de vista. Como autor brasileiro, Gustavo apresenta críticas e características sociais facilmente identificáveis para nós, brasileiros, mas sem abusar de regionalidades e sem pontuar localidades, essa história poderia se passar em qualquer lugar. Isto está longe de ser algo ruim, pois ele consegue apresentar as realidades do país sem explorar os esteriótipos carregados nas tradicionais literaturas brasileiras. Assim, os cenários descritos são claros, mas com uma escrita extremamente fluída.
O livro incomoda o leitor, propositalmente, com dilemas morais e apatia pela essência dos personagens. A seguinte pergunta é levantada na sinopse do livro: “É possível justificar um ato de crueldade quando, por trás dele, há a intenção de fazer o bem?”, e a reflexão sobre ela permanece durante toda a leitura e é respondida com um desfecho diferente, surpreendente de primeiro momento, mas quando paramos para analisar, não é imprevisível. Algumas perguntas deixadas em aberto, forçam o leitor a teorizar e se tornam fundamentais, outras fazem com que as 266 páginas sejam insuficientes e ignoram personagens paralelos, que cativaram mas não tiveram a sua devida conclusão. A leitura é rápida e fluída, os aprofundamentos não atingem o fundo, mas estão em uma média confortável para entregar uma experiência interessante ao leitor.
A obra ganhou notoriedade quando ainda era uma publicação independente. O ação de divulgação realizada pelo autor junto com os booktubers, fizeram com que a obra chegasse à uma casa editorial e finalmente tivesse os seus direitos adquiridos, inclusive pela TV Globo, que pretende uma adaptação. Isso marca uma evolução importante no mercado editorial brasileiro e escancara como ele deve seguir daqui para frente, abrindo os olhos para a inovação e para autores brasileiros.
O Sorriso da Hiena foi uma grata surpresa e levanta atenção para os próximos livros do autor. É um daqueles livros que te deixam sem fôlego e te fazem voltar às páginas finais, mais de uma vez.
Nota: 3,5/5