Lançado como um shadow drop no final de março, Look Outside é um RPG survival horror desenvolvido por Francis Coulombe e publicado pela Devolver Digital.
O game usa, com uma precisão quase cirúrgica, o medo peculiar que as vezes sentimos de coisas do cotidiano, como o rangido de um assoalho ou um cômodo vazio escuro. Os jogadores são presos em um complexo de apartamentos onde a sobrevivência não depende somente da criatividade, mas também da capacidade de resistir a um impulso tão primitivo quanto o de olhar pelas janelas.
Um labirinto de horrores
Sua premissa é enganosamente simples: você controla Sam, um protagonista comum preso em um prédio decadente durante uma epidemia sobrenatural. Um evento misterioso, chamado de “O Olhar”, transformou qualquer pessoa que ouse olhar para fora em abominações monstruosas.
Sobreviventes se escondem em seus apartamentos, racionando suprimentos e rezando por um resgate, mas a promessa de salvação — uma contagem regressiva de 15 dias até que seja “seguro” sair — parece mais uma provocação do que uma esperança. O próprio prédio se torna um personagem, com seus corredores mutantes e portas trancadas ecoando os gemidos dos ex-moradores transformados em monstros.
O que diferencia Look Outside é como ele instrumentaliza a curiosidade: o título do jogo é tanto um aviso quanto um desafio. As janelas, embora mortais, são portais tentadores para o mundo exterior. Espiar por elas pode desencadear alucinações ou atrair a atenção de criaturas que espreitam do lado de fora.
Ainda assim, a tentação de olhar persiste, alimentada pela necessidade de coletar recursos ou simplesmente vislumbrar o pesadelo surreal lá fora. Essa dinâmica de atração e repulsa impulsiona a narrativa, transformando cada decisão em um dilema moral: você arrisca um olhar para planejar seu próximo passo ou permanece cego e vulnerável?

Sobrevivência como autodestruição
No cerne, Look Outside é um jogo sobre escassez — de recursos, confiança e sanidade. As mecânicas de sobrevivência são implacáveis. Cada lata de feijão, bandagem ou bala parece valiosa, e o gerenciamento de inventário se torna um equilíbrio tenso.
O apartamento funciona como um santuário frágil. Nele, você pode cozinhar refeições (queimá-las desperdiça ingredientes), produzir coquetéis molotov com bebidas coletadas ou distrair-se com fliperamas dentro do jogo — um comentário meta sobre escapismo.
Mas a segurança é uma ilusão. Explorar o prédio é obrigatório, já que os suprimentos diminuem e os aliados ficam desesperados. O layout do prédio muda proceduralmente, garantindo que cada campanha seja única. Um “Medidor de Perigo” aumenta quanto mais tempo você passa fora, intensificando os encontros com inimigos até que os corredores se encham de gritos e membros retorcidos.

Terror em turnos
Inspirado em RPGs táticos, as batalhas ocorrem em grids, com posicionamento e alcance das armas ditando o sucesso. Uma faca enferrujada pode salvá-lo em um confronto corpo a corpo, mas é inútil contra uma criatura que cospe ácido à distância.
Os inimigos são tão inventivos quanto repulsivos. Um pode se assemelhar a um tumor pulsante com mãos humanas emergindo de sua carne; outro, uma amalgama de televisores cuspindo estática. Seus comportamentos são imprevisíveis: alguns perseguem você metodicamente, enquanto outros explodem ao morrer, espalhando vísceras pelo ambiente.
Recrutar sobreviventes adiciona outra camada de tensão. Esses NPCs — um preparador paranoico, uma médica consumida pela culpa, uma criança com um bicho de pelúcia — podem se juntar ao seu grupo, oferecendo habilidades únicas.
Mas a confiança é frágil. Aliados podem roubar suprimentos, traí-lo no meio de um combate ou sucumbir a “O Olhar”, transformando-se em chefes que precisam ser eliminados. Esses momentos são devastadores, reforçando a filosofia sombria do jogo: conexão é tanto uma tábua de salvação quanto uma vulnerabilidade.

A arte do desconforto
Francis Coulombe, conhecido por seu trabalho visual em Katana Zero, troca o cyberpunk neon por um horror corporal pixelado e sórdido. O estilo artístico é um paradoxo: retro e charmoso, mas profundamente perturbador. Os ambientes respiram decadência — papel de parede descascando, cozinhas infestadas de baratas, tapares manchados de sangue —, mas são os monstros que assombram a imaginação.
Coulombe evita definições claras, retratando criaturas como massas ambíguas de dentes, olhos e carne pulsante. A ambiguidade explora o medo primal do desconhecido; sua mente preenche as lacunas, criando horrores mais pessoais do que qualquer modelo 3D hiper-realista.
O design de som amplia o terror. A trilha sonora, uma mistura de ruídos ambientes e notas dissonantes de piano, evoca a melancolia industrial de Silent Hill. Cada rangido, gotejar ou grito distante é posicionado meticulosamente para desgastar os nervos.

Narrativa como uma espada de dois gumes
A narrativa de Look Outside é fragmentada, contada por meio de pistas ambientais, diários e diálogos com NPCs. Fitas VHS espalhadas revelam vislumbres da vida antes de “O Olhar”, enquanto pichações sugerem uma mitologia mais profunda. Múltiplos finais surgem de escolhas moralmente cinzentas: você guarda remédios para si ou ajuda um estranho moribundo? Executa um aliado infectado ou mantém uma esperança falsa?
A escolha narrativa mais ousada do jogo é sua recusa em explicar demais. O que causou “O Olhar”? O mundo exterior está realmente perdido? As respostas são elusivas, e a ambiguidade alimenta o horror existencial. Essa abordagem não agradará a jogadores que buscam resoluções claras, mas reforça os temas centrais: a humanidade se agarra a significados mesmo diante do incompreensível.

Veredito
Look Outside é um questionamento sobre o instinto humano. Ele pergunta o que estamos dispostos a sacrificar para sobreviver — e se a sobrevivência sequer vale o custo. Seus horrores pixelados persistem porque estão enraizados em medos universais: o desconhecido, a perda de controle, a fragilidade das conexões.
O jogo oferece uma experiência densa de 6 a 10 horas, repleta de segredos e finais que recompensam jogadas meticulosas. É um achado para fãs de horror, embora não seja para os fracos de coração. Francis Coulombe e a Devolver Digital criaram um título que não apenas assusta — ele perturba, provoca e se recusa a deixar você desviar o olhar.
Claro, o jogo não é imune a falhas. O sistema de inventário, embora intencionalmente limitante, pode parecer punitivo demais. Espaços restritos exigem escolhas difíceis, mas gerenciar itens essenciais junto a chaves ocasionalmente vira uma frustração. Além disso, os layouts gerados proceduralmente, embora criativos, carecem do detalhamento de ambientes estáticos, fazendo certas áreas parecerem genéricas.
Mesmo assim, o resultado é uma aula magistral de horror psicológico, misturando estratégia em turnos, mecânicas de sobrevivência e uma estética pixelada grotesca em uma experiência que permanece na mente muito depois dos créditos finais.

Look Outside já está disponível para PC via Steam.
*Chave para PC para produção da análise disponibilizada por Devolver Digital