No dia 16 de setembro estreou na Netflix o filme O diabo de cada dia, adaptação do livro O mal nosso de cada dia de Donald Ray Pollock e lançado pela DarkSide Books, já lido pelo O Megascópio. Dirigido por Antonio Campos e produzido por Jake Gyllenhaal, o original da gigante do streaming, conta com um elenco de peso: Tom Holland, Bill Skarsgård, Sebastian Stan, Riley Keough, Jason Clarke, Robert Pattinson, Haley Bennett, Eliza Scanlen e Mia Wasikowska. Veja o que achamos do filme – sem spoilers.
Após a Segunda Guerra Mundial, o veterano Willard Russell (Bill Skarsgård) volta para a casa e se agarra a fé para lidar com as lembranças da guerra e cuidar de sua esposa doente, negligenciando o seu filho Arvin (Tom Holland) quando o diagnóstico de Charlotte (Haley Bennett) é desesperançoso. No interior do EUA na década de 60, vivem pessoas corrompidas como um pastor egocêntrico e abusador (Robert Pattinson), um casal de assassinos em série (Jason Clarke e Riley Keough) e um xerife corrupto (Sebastian Lee), inundados de fé, que mesmo em regiões tão distantes, se conectam.
Alerta de gatilho. O filme explora a violência.
A hipocrisia e crenças
A hipocrisia está presente a todo momento, principalmente no quesito fé, seja em uma entidade religiosa, ou em si mesmo, e em como a resposta à um ambiente hostil também torna quem vive nele hostil. Um debate sobre circunstâncias e os limites do ser humano. Todos os personagens comentem atos condenáveis, mas Arvin desperta uma pequena dose de empatia. Aqui quero deixar destaque para a atuação de Tom Holland, que segurou a sobriedade do papel de forma surpreendente, além do sotaque que se manteve firme do começo ao fim. A interação dele com Robert Pattinson é uma das melhores cenas do longa.
Silêncio inteligente
A história pede esse super-elenco para se sustentar, já que é sobre personagens bem construídos. Sem nenhum grande mistério a ser resolvido, diversas pessoas em locais diferentes mostram suas camadas a cada take, elas parecem desconexas e irrelevantes, até se conectarem. O início pode parecer confuso e sem grandes feitos, mas o desenvolvimento arrebata. O thriller psicológico tem uma cadência lenta, necessária para a absorção dos acontecimentos. Os objetos postos em primeiros planos, as cenas retomadas e reinterpretadas, fecham todos os pontos que são abertos. Todos os elementos se interligam! Os planos são bem abertos e possui uma bela fotografia, que se apoia no tom sombrio para esconder certos elementos cruéis, instigando a imaginação. A ambientação sessentista, bem como a trilha sonora, é acompanhada pela paleta de cor de certa forma lúgubre, que externaliza a sujeira dos personagens. O silêncio é utilizado de forma inteligente para acompanhar o ritmo em momentos críticos, principalmente nas cenas de violência, engatilhando reflexões. O filme ainda conta com um toque especial: a narração do autor do livro. Com personagens tão complexos e que só expõe os sentimentos por meio da violência, a voz de Pollock se torna imprescindível e dá um toque de familiaridade.
A adaptação
Em certos momentos os autores e o narrador parecem ler o livro, de tão similar que as frases se parecem. Mas o filme abre mão do choque pela exploração da violência, trocando por silêncios adequados às cenas e atores que seguraram o papel tão bem, que o grafismo é dispensável. Com tantos personagens, o tempo de tela não permitiu certos aprofundamentos, como a ação do casal de serial killers, o companheiro do pastor Roy e a cronologia dos acontecimentos, que fizeram com que personalidades se encontrassem em momentos inadequados, trazendo outros significados. Em suma, o longa é um exemplo de uma adaptação coerente e bem feita de um livro. Vale a leitura como um complemento do audiovisual. Se você já leu, vai adorar o filme.
Tá, mas e aí?
O diabo de cada dia é um show de adaptação, interpretação e personagens complexos. Com uma classificação de 16 anos, a violência é mais velada do que a obra original, mas ainda assim é presente e o centro das reflexões. E sim, esse é um filme que vai além da apreciação dos atores, faz pensar e criar paralelos com a hipocrisia da contemporaneidade. Incomoda, é lento, cru, silencioso, mas complexo, que te mantém tenso e traz aquele “nossa” com o final. Um dos melhores lançamentos do ano.