Mulan antes mesmo de estrear oficialmente já sofria com a habitual expectativa em cima dessa nova versão e também por ser o remake mais caro da Disney até hoje, com um orçamento de US$ 200 milhões. Além desses problemas, o longa enfrentou diversos adiamentos e ataques por mudarem personagens considerados icônicos para os fãs nostálgicos.

Como já havíamos dito aqui, isso se deve ao fato de haver alicerces culturais da própria China que entram em conflito com elementos presentes na animação da Disney. A trama comandada pela neozelandesa Niki Caro (O Zoológico de Varsóvia), certamente se aproxima mais da balada histórica que se passa durante a Dinastia Wei, do que o filme de 1998.

No início do longa, somos bombardeados de referências da primeira adaptação da Disney como a casamenteira -e frases tiradas diretamente da animação- e também a exploração do lado mais “moleca” de Mulan. Nota-se que desde o início do longa já está sendo introduzindo mudanças como a alusão a ave Fênix e sua importância para a família. Mulan na verdade quer ir contra tudo aquilo que era imposto as mulheres naquela época, ou seja, tendo a única missão de casar e servir ao seu marido, mas ela vê uma saída quando o exército aparece em sua vila recrutando seu pai para defender o reino.

A jovem Mulan vivida por Liu Yifei adota a identidade do suposto filho de Hua Zhou (Tzi Ma) e parte para o exército, nessa sua jornada até se juntar com seus futuros companheiros ficou notório que a falta das músicas cativantes da animação pesaram contra o live-action, -apesar de algumas serem introduzidas de forma instrumental- em contrapartida ver os cenários e paisagens chinesas foram um verdadeiro colírio para os olhos.

A importância de Mulan e a desinformação sobre as produções chinesas

Enquanto a figura da Fênix serve unicamente como um guia para a jovem, a águia que na verdade é a vilã Xian Lang, vivida pela excepcional Gong Li (Memórias de uma Gueixa) mostra-se uma personagem muito interessante, que luta contra uma sociedade sexista e que as vezes é até mais profunda que a própria Mulan. A ideia da força interior (Chi) e magia nesse filme não foram tão bem explicadas e exploradas como poderiam ser, deixando assim os espectadores com um pensamento frequente ao longo do filme: Se de fato Xian Lang tem feitiços tão poderosos, por que ela simplesmente não dispensa Bori Khan?

Por falar em Bori Khan, o ator Jason Scott Lee se saiu perfeitamente vivendo o antagonista do filme que está em busca não só de riquezas, mas sim matar o imperador e ter sua vingança pela morte de seu pai. Por ser um longa inspirado em uma balada de séculos passados, a diretora optou por deixar o futuro de Mulan em aberto, fazendo com que a jovem -após a primeira recusa- não afirmasse e nem negasse que se juntaria ao exército, já que na fonte original ela apenas não aceita nenhum cargo oficial.

Apesar de apresentar algumas inconsistências narrativas que recaem diretamente sobre a má estruturação da magia e do funcionamento do Chi naquele mundo -e define o fim de um personagem-, Mulan traz consigo a árdua luta de se provar capaz. Ao longo do filme embora apenas algumas gotas de sangue visível sejam derramadas, Mulan se apresenta basicamente como um filme de guerra, com batalhas quase constantes, que apesar de detalhadamente coreografas, depois acabam se tornando um pouco repetitivas. Mulan não se compara as lutas de “O Tigre e o Dragão”, mas é uma excelente porta de entrada para o espectadores mais jovem a identidade cinematográfica da China.

O filme traz uma mensagem interessante sobre acabar com a competitividade feminina, o que leva a personagem Xian Lang se questionar sobre seus princípios e enxergar seu “reflexo” na jovem Mulan, que provou que é possível ser tudo aquilo que ela almejava, só que de forma leal, corajosa e verdadeira. É fácil notar como Jason Reed (produtor) e Nick (Diretora) quiseram trazer referências aos fãs, mas também ter como alicerce principal a balada do século VI.

Um grande exemplo disso é o interesse amoroso de Mulan no filme, Chen Honghui vivido por Yoson An. Chen -apesar de não muito claramente- começa a ter interesse por Mulan ainda quando estava se passando por homem, e após ter descoberto ao final que ela na verdade era uma mulher, Mulan ainda opta por retornar a sua vila e dar prioridade a sua família. É interessante notar que durante todo o treinamento Mulan está lutando contra a sua natureza e para isso contou com o seu poderoso chi. É retratado a dificuldade do treinamento para Mulan, e também a luta para esconder seu verdadeiro segredo –o que nos proporciona cenas até engraçadas e algumas que só mulheres saberiam o desconforto que é-.

Mulan não é um filme majestoso, mas traz uma história de origem de uma personagem que está lutando para construir sua própria identidade e confrontando os ideais impostos ao seu redor. Após vários adiamentos devido a pandemia, o longa chegou hoje (4/9) na plataforma Disney+, nos países que possuem o serviço. Disney+ chegará no Brasil em 17 de novembro. 

NOTA: 3,5/5