Publicado em 2016 sob o pseudônimo Andrea Kilmore, o livro Bom dia, Verônica fez rebuliço desde o lançamento devido ao anonimato da autora. Os leitores ficaram com a pulga atrás da orelha até a revelação de que a criminóloga Ilana Casoy e o escritor de thrillers Raphael Montes são os pais dessa criança. A obra foi criada como uma experimentação para os autores: Casoy queria se aventurar na ficção e Montes produzir um livro protagonizado por uma mulher. A parceria deu certo e em 2019 uma nova edição foi publicada, com uma capa mais comercial e com o nome dos autores, aproveitando a produção da adaptação para a Netflix.

Aviso: o livro possui gatilhos.

Dinamismo e distinções

Verônica Torres é uma escrivã da Polícia Civil do Estado de São Paulo (mais precisamente do DHPP), e está de molho no cargo de secretária. Eis que ela testemunha, em serviço, o suicídio de uma mulher que estava na sala do delegado e a última frase dita por ela a intriga. A escrivã recebe um telefonema de Janete, uma mulher desconhecida até então, dizendo que o marido é um assassino de mulheres e pedindo ajuda, Verônica começa a investigar os dois casos, usando o seu cargo e influência para conseguir pistas, colocando a si e as pessoas ao seu redor em perigo.

Na trama acompanhamos duas investigações ao mesmo tempo, o que dá um ritmo dinâmico para o livro, prendendo o leitor e deixando certa tensão. A narrativa é dividida em dois pontos de vistas, o da Verônica e o da Janete. A mudança de tom entre estas duas personagens é bem evidente, demarca um contraste da vida e personalidade delas. Enquanto Verônica está em uma jornada de descoberta, descontente com a sua vida, mas mesmo assim uma mulher que defende os seus interesses e mais incisiva, Janete é uma pessoa confusa, ingênua, isolada e comedida. Essa distinção de perspectiva situa o leitor rapidamente. É interessante como os autores conseguiram trazer de forma tão palpável a diferença entre as personagens.

No entanto, por mais que as passagens de Verônica deem andamento para as investigações, certos pensamentos dela são tão repetitivos e até imaturos, quase perdendo a profundidade do assuntos (suicídio, feminicídio, violência doméstica, relacionamentos abusivos e corrupção na Polícia) e, em certos momentos, é menos interessante do que o de Janete. As decisões tomadas pela personagem são precipitadas e mostram a inexperiência dela em campo, já que é secretária, porém ela chega a conclusões rápido demais em alguns momentos. Mas Verônica é uma mulher muito real!

Os criadores por trás da criatura

Janete é bem trabalhada, mostrando com eficácia o perigo que as mulheres sofrem nas mãos de maridos violentos. Um tema muito importante de ser tratado, ainda mais na ótica do cenário brasileiro. Os autores trazem características, algumas estereotipadas, da nossa sociedade. Cita obras e modo de vida contemporâneos (até memes), situa muito bem o leitor no local, apresentando constantemente particularidades da cidade de São Paulo, e isso é um aspecto facilmente encontrado em outros livros de Montes. A Ilana é indispensável para a construção do serial killer. Ao contrário de outras obras de fixação com o mesmo tema, ela trouxe profundidade, todas as pontas soltas do personagem são conectadas e dão um background responsável e sustentável.

É possível identificar sutilmente algumas características de cada autor, mas a parceria dos dois é fluída e necessária para o resultado final. Não ter a vinculação aos respectivos nomes a priori, parece ter dado certa liberdade para eles, deixando o livro ousado.

Veredito

O livro aborda temas importantes, espelha a realidade de como é ser mulher no Brasil, mas o aprofundamento deve partir do leitor. A Verônica sai da caixa e acompanhamos a sua metamorfose, mas a conscientização sobre feminicídio e suícidio é parte de quem lê. O livro é agonizante, com cenas muito cruéis e violentas que carregam a tensão até o desfecho da narrativa para incomodar propositalmente. Apesar das rápidas conclusões e algumas superficialidades da protagonista, a trama se sustenta e põe em pauta conversas necessárias para a nossa sociedade, junto com entretenimento em um thriller de tirar o fôlego. Além do dinamismo que a investigação traz, a escrita é coloquial, rápida e imersiva, faz o leitor se sentir próximo das personagens e torcer por elas. Os autores também mostraram uma versatilidade e domínio, narrando em epístola uma pequena e importante parte (no caso, matéria de jornal).

A nova edição está belíssima, com uma capa mais comercial e menos sombria que a primeira, interessante para compor uma trilogia. Sim! Teremos mais dois livros e a curiosidade está bem alta para saber para onde levarão Verônica após o encerramento surpreendente. Em capa dura, com verniz localizado e soft touch, o livro ainda ganhou um corte trilateral em preto e marca páginas vermelho. A diagramação tem as bordas bem arejadas e as entrelinhas um pouca próximas e projeto gráfico à là DarkSide Books. O valor de capa é R$59,90, disponível na Amazon assim como o ebook.

NOTA: 3,5/5