Que é importante ler livros clássicos, todos nós sabemos. Mas quais os critérios para considerar um livro clássico? A ideia não é desmitificar os clássicos, que ganharam uma erudição que repele leitores, mas sim identificar as características desses pseudos “bichos de sete cabeças”. Não existe nenhuma entidade que define um livro como clássico, essa “decisão” é da própria sociedade e demora muitos, muitos anos para ser tomada.
Sim, ele precisa ser bem escrito, com uma narrativa bem estruturada, que amarra o leitor com pontas que vão se juntando conforme o desenvolvimento do texto. Mas não é apenas isso! De acordo com o escritor italiano Ítalo Calvino (no livro Por que ler os clássicos), existem três grandes características que são a essência dessas grandes obras:
Atemporais
Os clássicos precisam viajar no tempo para atravessarem gerações e perdurarem no imaginário coletivo. É uma obrigação do livro clássico e significa que ele precisa contar novas histórias a cada leitura. Alguns confundem clássicos com os best-sellers da contemporaneidade, mas um clássico não consegue ser clássico enquanto for contemporâneo, e um best-seller não possui necessariamente todas as três características. Haja visto que muitos dos clássicos que conhecemos hoje tiveram sucesso post-mortem, como os autores Edgar Allan Poe, H. P. Lovecraft, Franz Kafka e Emília Freitas.
Universalidade
Essas obras trabalham, necessariamente, a condição humana: polêmicas, sentimentos e conflitos. Assim, ela junta nichos e faz conexões que incitam a representatividade. Podemos ver isso claramente em A Metamorfose do Franz Kafka, com a abordagem do trabalho e das relações familiares. Outro exemplo é Anna Karênina, que tem uma trama digna de novela mexicana, com bailes da nobreza russa, ciúmes, casamentos e traições. São questões facilmente identificáveis por todos, por se tratarem simplesmente de ser humano. Por isso, permite novas percepções a cada leitura. Quem nunca releu um livro e captou uma coisa que não havia captado anteriormente? Isso é forte nos clássicos, por isso tem tantos estudiosos debruçados sobre eles e como Ítalo Calvino disse:
Clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer.
Registro Histórico
Mesmo que ele tenha que viajar no tempo e ser uma obra universal, ainda precisa ter alguma identificação da sociedade em que foi lançado. É um registro dos hábitos e condições da contemporaneidade do autor (se aplicando também as distopias), ou até mesmo um marco na literatura. O exemplo que trago agora é Frankenstein, de Mary Shelley; a obra bate de frente com o teocentrismo ao trazer algo morto a vida através de experiências, em uma época muito religiosa que demonizava a ciência. H. G. Wells faz isso em várias de suas obras, mas vou chamar atenção para A Ilha do Dr. Moreau, que traz a pauta da manipulação genética para a literatura, um assunto novo no meio acadêmico da época.
Apostas
Ainda é cedo para dizer, mas a saga The Witcher é uma das minhas apostas de clássico, porém um clássico regional (da Polônia). Se ele se tornará ou não, nunca saberemos. Mas vamos às explicações:
Não posso dizer que ele é atemporal, mas os livros da série da década de 90 estão em alta em 2020 (não entrarei no mérito de Wild Hunt ou da série na Netflix), conquistando novas gerações leitoras. Isso deve-se principalmente pelo sua universalidade, que em meio a um mundo de fantasia, os personagens são extremamente humanos, todos cinzas. Pautas como racismo, machismo, maternidade, aborto e totalitarismo, são abrangidas na trama e UAU ainda fazem tanto sentido na nossa sociedade em plena América do Sul. Por último, mas não menos importante: o registro histórico. A série é um patrimônio polonês, registrando o folclore através dos monstros, personalidade do povo através das personagens e a introdução de características de uma Polônia vítima da guerra, onde os homens foram para os campos de batalha e as fortes mulheres dirigiam os lares (pelo ponto de vista da época). The Witcher é extremamente importante para a Polônia e acredito que a sustentação da obra de Sapkowski se manterá no país, mesmo que não aconteça em outras regiões do globo.
O documentário Making the Witcher liberado pela Netflix, apresenta os pontos acima de uma forma bem dinâmica.
Confiram o vídeo em que a Thai e o Renan falam da importância de The Wicther na Polônia:
E aí, aposta em qual livro contemporâneo como clássico do futuro?